quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Ela Sentiu!


Ela tinha a impressão de que o mundo movia-se em câmera lenta e que as cores ganharam brilho. Ela sorria sem pensar no que viria depois, nem em como chegou até ali.
Ele abraçou-se no seu estreito quadril, sua cabeça repousava sobre aquela morena barriga, e ainda teve forças para beijar-lhe o umbigo.
Jamais imaginei que você fosse assim!
Então sua cabeça tornou-se um peso morto, acompanhado de uma respiração lenta e ruidosa. Não era um ronco, apenas um ressonar.
Ela pousou a mão sobre seus cabelos, fez-lhe um cafuné. Sabia que ele já nem perceberia isso, portanto não se deu ao trabalho de olhar para baixo.
O prazer anestésico perdia seu efeito, e quanto menos deleite sentia no próprio corpo mais sua razão começava a funcionar. Não era exatamente a razão que gostaria de ter, era como uma consciência que a acompanhava depois de toda vez que sentia aquele prazer intenso. Algo que não era dela, mas a acompanhava, como uma memória. Merda, não acredito que estou nisso de novo.
Transar com estranhos era algo com a qual ela facilmente lidava, simplesmente desaparecia. Levantava e ia embora, sem adeus, sem telefone ou explicações. Muitas vezes até o nome era falso, e quando o sujeito a chamava, nem parecia estar referindo-se a ela.
Porém desta vez o problema ganhará outras proporções. Meu vizinho?! Porque o vizinho? Eu sou uma puta mesmo. Mudar-se estava fora de cogitação, ela jamais conseguiria convencer seu pai de novo a ser seu fiador. Amanhã ele vai bater na minha porta. Semana que vem vai querer namorar. Caralho!
Apesar do conflito interno, corporalmente ela expressava enorme tranqüilidade, a mão seguia acariciando-o, o corpo imóvel e o olhar como que serenando no teto. No semblante havia até mesmo um leve sorriso, como se risse de si mesmo. Como se a pessoa que lhe falava com as racionalidades da mente fosse diferente daquela que comandava o corpo, diferente da vadia que acabara de foder.
Nestes momentos preferia lembrar de algo longínquo, como que para despistar a si mesmo. Lembrou-se da infância, vivida em casa simples no interior do estado. Rapidamente trouxe à tona as descobertas do corpo, do prazer intenso com objetos da casa, com outras meninas, do deslumbramento ao pegar pela primeira vez em um pau, tocar-lhe com a boca. Sentiu prazer nas lembranças, as lembranças eram só prazer. E justamente esta busca incessante de prazer a levara até ali. Mas o que há de errado em transar pelo prazer, porra? Não posso só foder e amanhã cumprimentá-lo como um vizinho qualquer? Sempre evitou este tipo de questionamento, talvez pela educação muito religiosa que receberá da mãe, apesar de jamais ter levado-a à sério. Ou então, por medo de chegar à conclusão de que isso era possível, bastava fazê-lo. Mas fazê-lo traria à tona as suas reais vontades, aquelas que ela sempre esconderá sob o manto de uma pessoa simples e normal.
Tentou buscar outras memórias, mas sempre acabava nas mesmas sensações, o gozo, o tesão, os desejos e, principalmente, o corpo. Seu corpo sempre fora uma ferramenta da qual retirou e com a qual conseguiu prazer. Lembrou-se dos meninos que seduzia ainda nos tempos de catequese, quando tinha as tardes entre grandes salas vazias e jardins desabitados da igreja.
Ela sorriu, levou a mão à boca lembrando de tudo aquilo. Rapidamente a consciência encontrava espaço entre as lembranças. O que vou fazer com este homem? Saio agora ou o espero acordar para dizer-lhe algo? Ele até que não é mal e fode gostoso, mas não preciso de mais um andando no meu pé. Já não basta no meu trabalho...
Veio-lhe a lembrança de Vicente, colega de setor que há muito demonstrava interesse nela, e por alguma razão que não descobrira, era o único homem que lhe dava asco.
Decidiu agir pela vontade e não pela idéia que queria passar, simplesmente fechou os olhos e deixou que o sono a abraçasse.
Mesmo adormecida, sentiu quando o vizinho beijou-lhe a testa, antes de deixar a sua casa.
Acordou agitada, tinha a sensação de ter um sonho real, ou uma situação que mais lhe pareceu um sonho. Já sentada na cama, olhou para o teto, pode sentir de novo o peso da cabeça do rapaz sobre sua perna, lembrou-se do sexo, sorrio sozinha. O gozo, o mundo em câmera lenta, a decisão de tornar-se mais autêntica às suas vontades e aceitar a si mesmo, antes que os outros o fizessem.
Só quando chegou a sala e viu a cidade funcionando lenta lá embaixo, que se lembrou que era domingo. Ao vislumbrar o horizonte, levemente quebrado por alguns prédios amontoados no lado oeste da cidade, enxergou a divisa entre o firmamento e o céu como sua própria divisa, sua própria encruzilhada. A qual ela havia cruzado na noite anterior. Aquilo a alegrou, um sorriso largo e verdadeiro nasceu em seu rosto. Ela realmente estava feliz por descobrir-se. Porque tanto tempo depois? Porque só ontem? Porque com o cara da porta ao lado?
Questionou-se se não teria sido aquele amor que ela sentiu ao ver-se nos olhos dele. Seria o amor por ele ou um amor-próprio? Ou seria sua necessidade vital de prazer que atingiu um nível tão alto que não podia mais se ocultar dentro de uma máscara de menina comum? Pouco lhe importava aquilo neste momento, ela estava feliz.
Saiu à rua trajando umas roupas casuais, diferentes dos trajes mais sérios que usa ao longo da semana. Trajes estes menos confortáveis, mas úteis para atrair homens, que adoram um salto alto e uma saia justa. Ela não somente tinha total consciência disto, como sabia muito bem utilizar estes artifícios a seu favor.
Antes de sair, já no portão, permitiu-se olhar para o alto. Uma mistura de desejo e aflição a invadiu quando imaginou que o vizinho podia estar olhando-a. Não viu ninguém e seguiu seu trajeto rumo ao centro da cidade, lá onde o horizonte recortado havia lhe mostrado seu próprio momento.
Estava atrasada para a primeira sessão de cinema daquela tarde de sol ameno e leve brisa outonal. Ela gostava de assistir vários filmes em seqüência. Adorava observar as semelhanças e diferenças entre os roteiros, roupas, rosto, corpos. Na adolescência, era a única a resistir à maratonas cinematográficas de 4 filmes. Enquanto todos dormiam, seus olhos continuavam grudados na tela e seu corpo sempre se aconchegava em algum menino. Ela não saberia dizer o que agradava mais, se os filmes ou os corpos, sob os quais ela se esfregava, sem precisar seduzir ou explicar-se.
Depois de sair do ônibus, não demorou muito a chegar a um antigo prédio de arquitetura rebuscada, com um aspecto sóbrio e ao mesmo tempo artístico, que outrora serviu de hotel de luxo, mas havia sido reformado e agora sediava uma casa de cinema, onde cada um de seus cinco andares, tinham dado espaço à salas enormes, com uma acústica tão boa que nem ouvia-se as vozes dos que conversavam e com telas tão grandes que as primeiras cadeiras ficavam cerca de dez metros da tela.
O térreo era a bilheteria, e o movimento, mesmo nas primeiras sessões, era sempre grande. Entrou no prédio distraída, mexendo na bolsa para procurar a carteira. Ao olhar para frente, seu olhar logo parou sob uma mulher que estava na fila, mas olhava para trás, olhava para ela. Ficou imóvel por alguns instantes. Que foi? Tem medo de mulher agora?
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Texto: L.N.
foto: Cisco Vasques

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