terça-feira, 31 de julho de 2007

Borboletas na Barriga


•Para Ana Eliza,
que as tem



Ana tinha borboletas na barriga. A curiosa condição gástrica lhe provocava algum incômodo. Sempre que por algum motivo emocional ela se agitava, as borboletas também se alvoroçavam. E, claro, desencadeavam reações fisiológicas terríveis nela, não bastasse o transtorno, seja lá qual fosse, pelo qual já passava. Cada uma batia suas asas para um lado diferente. Ana suava. Cada uma fazia cócegas em um canto distinto de seu estômago. Ana tremia. Cada uma falava uma língua - sim, elas falavam. Ana ficava tonta. Todas voejantes a um só tempo e Ana já não sabia o que fazer. Ter borboletas na barriga pode até mesmo tirar o sono.
Difícil saber como esses bichos vão parar ali. Se eles nascem com a pessoa. Se eles estavam em semente em alguma fruta comida na infância. Se crescem por força da vontade de, não tendo asas por fora, ao menos tê-las por dentro. Ter borboletas na barriga é, assim, meio como a alma querendo voar, mas que dá apenas os primeiros passos nessa arte difícil de tirar os pés do chão. Todo mundo já chegou na beirada da varanda, olhou lá pra baixo. Todo mundo sabe como é. Antes de levitar, qualquer coisa desse tipo é impossível. A queda é mais fácil.
Ana achava que ia cair. Mas as borboletas iam em outra direção que não a do solo. Ana seguia na condição de contrariedade involuntária, portanto.
E são borboletas. Não mariposas, como poderia sugerir a escuridão que deve haver dentro de uma barriga. Na noite, as cores são desnecessárias.
Mas dentro de gente, quando borboletas acordam, tem luz. Convêm os matizes.
Mas dentro da gente, quando borboeltas acordam, tem música. Convêm a dança.
Daí elas irem cada uma pra um lado no salão. Sua coreografia não é combinada.
Borboletas na barriga, eis algo que nos escapa ao controle, mesmo estando presas. Não podemos, malvados, colocar alfinetes em suas asas.
Breve interlúdio para que uma pessoa de um lugar muito quente saiba algo muito importante sobre dormir ao lado de uma pessoa que vive em um lugar muito frio:
Entre os dois corpos adormecidos, é comum que se crie um vão por onde o ar gelado da noite entra sob as cobertas e contrasta com o calor da pele. Isso é muito, muito frio e congela ombros e pescoços. É preciso estar atento, muito atento para isso e sempre cobrir essas partes da pessoa amada.
De volta às borboletas na barriga:
Existe uma forma de controlar as borboletas na barriga. E não depende muito da pessoa. Ou elas sossegam com o tempo, aos poucos cansam dessa história toda e resolvem cochilar, ou descobre-se que o motivo de tamanho alvoroço - outra pessoa - também as tem.
E, como se sabe, segundo as leis naturais, borboletas anulam borboletas e, de ambos os lados, elas cessam a bagunça.
Cessam mas não deixam de existir.
Conta-se que Ana foi encontrar a tal pessoa, a que lhe provocava as borboletas.
Quando o viu sentiu algo como um soluço a subir pelo peito. Algo que não chegava a ser incômodo, mas que, achou, poderia lhe causar alguma vergonha.
Não foi um soluço. Mas algo mais parecido com um suspiro.
Abriu levemente a boca e: uma borboleta. Percorreu o curto espaço que ainda os separava.




Escrito por Alessandro Martins